O Pecado e a redenção
quinta-feira, abril 21, 2011 | Author:

Já era pra mais de cinco, o sol postava-se e, por alguns minutos, trabalhava a tela celeste com variações do vermelho e amarelo, traços expressionista, vistos com muita graça por olhos reluzentes, o que não vinha por terra, em museus e exposições. O sol fazia dos raios, pincel, da óptica, suas cores e usava a ilusão como ajudante. Abaixo do céu, o sertão, desta vez não castigado, mostrava agora o que antes era promessa, traduzia em verde as translúcidas chuvas de março.

E não é que no meio de todo este cenário bucólico estava a agir um ladrãozinho de quinta! Dito por João Furtado, que ao meu entender, esqueceram um "r" em seu sobrenome. Era conhecido pelos arredores do vilarejo, não por esta ocupação, mas por ser mercador. Levava e trazia tudo quanto podia lucrar, desde potes e canecas até, quem diria, guarda-chuva, outrora conhecido por guarda-sol.

"Pra mais de cinco" é que o perverso encontrava-se em meio a fotos antigas e terços bentos, os quais eram dispostos em um compartimento do guarda-roupa de uma Dona Odete Vintém, dona de alguns casebres e um apartamento para alugar, dirigia-se, em procissão, à sua respeitável casa, levando a imagem de uma santa. O meliante prosseguia em sua ação a procura de algo que viesse somar aos tostões que havia em seu bolso.

D. Odete e outras senhoras e senhores adentravam a simples casa, cantando em tom melódico as cantigas de novena e renovação, há tempos conhecidas pelas gerações sertanejas, agora usadas para agradecer pelos bons tempos de chuvas. Tal entrada serviu para disparar o coração daquele Furtado(r) e não somente isto, nunca se viu por aquelas bandas pupilas tão contraidas nem suor tão frio quanto o visto naquele pingo de gente. Ou melhor, não visto!

Com um terço na mão, o meliante fechou de imediato a porta do guarda-roupa e assegurou-se debaixo de uma cama que existia ali. Sob a égide do sangue fervente, mas com a perspicácia de um comerciante, saiu aos poucos de onde estava, o problema não era sair da alcova, mas sim daquela casa, sem que os presentes o classificasse de ladrão.

Da saída daquele quartinho até a porta de saída da casa era só rezas, o recinto tornava-se um templo de ave Marias e Pai nossos. A única alternativa para retirar-se ileso naquele momento foi usada pelo sujeito; às escondidas, conseguiu ficar por trás da porta entreaberta que dava acesso ao vão que servia para espaço da imagem da santa e, naquele momento, onde estavam celebrando as graças, porta esta, parcialmente impedida por duas senhoras rezadeiras. Na hora que todos baixaram a cabeça em sinal de devoção à santidade, o agora religioso João Furtado, salta de onde estava e recebe das mãos de uma senhora o livrinho de orações. Por ironia do destino lhe é concebido a glória de conduzir a derradeira leitura. E lá estava o infame a dizer: "Tens piedade de mim e do mundo inteiro...".

por Daniel Coriolano

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